MORCROF - .:.CODEX.GNOSIS.APOKRYPHV.:.arcano.verba.revelatio .:.
Label: Erinnys Productions (Link para o site da gravadora)
ANÁLISE
Hoje tive uma difícil tarefa. Sentar e ouvir criteriosamente o novo trabalho da paulistana MORCROF. Difícil pois minha história praticamente se mistura com a evolução da banda. Em 1995 entrei em contato por carta com o baixista da banda, Paullus "Philosophor Noctis" Moura para aquisição da primeira demo da banda "A Future Not So Far" e, a partir daí, tornei-me próximo à banda.
Foram muitos anos de apresentações, lançamentos e histórias sacramentando a MORCROF como uma das mais importantes bandas do underground nacional.
Em 2005 a banda chega a um patamar sem igual em "Machshevet Habriá (Myths and Conjectures of Creation)". Este trabalho mostrou que a banda estava navegando por águas cada vez mais progressivas, com originalidade e requinte nunca vistos até então.
Porém, o tempo passou e pouco se viu de lançamentos originais da banda. O underground foi evoluindo enquanto a MORCROF passou por diversas trocas de formação e demais problemas que atrasaram o lançamento de seu novo trabalho.
Quatorze anos após este último trabalho, eis que surge ".:.CODEX.GNOSIS.APOKRYPHV.:.arcano.verba.revelatio .:.", álbum tão complexo em seu lançamento quanto em toda sua execução.
O início com a longa introdução ".:. invocatio · spiritus · antiquis .:." traz um cenário onde o grande vocalista Eziel Kantele-Väinö começa, de forma intimista, a narrar histórias suas experiências revelando tudo que viveu e tudo que viria a partir dali. E quanto mais a narração ganha contornos de uma inflamada declamação, nossa atenção e expectativa cresce paralelamente à construção musical. A maneira como Eziel consegue transitar entre várias personagens nesta introdução é de uma perfeição única!
E quando estamos totalmente envoltos pela oratória crescente do eloqüente narrador, somos arroubados pelo início de ".:. in · monolitus · ex · avorum · spiritus · mundus .:.".
Sem dúvidas, esta uma das maiores composições da MORCROF. Não é novidade falarmos que a banda é composta por músicos altamente técnicos que construíram aqui uma conjunção sonora perfeita. Mas o que ouvimos aqui deixa qualquer um boquiaberto.
A declamação inicial mal termina e o instrumental constroi a ponte perfeita para que os vocais de Eziel oscilem grandiosamente entre o dramático e o mais agressivo possível.
E o instrumental?
Ah meus amigos... Poucas vezes ouvi um casamento perfeito entre as guitarras (o que os monstros R. Bressan e Pétros Nilo - que já construíram momentos magistrais nos lançamentos anteriores - fazem neste álbum são construções ritmicas pouco ouvidas até então), um baixo tão marcante (com momentos que variam do heavy ao jazzístico numa fração de segundos), teclados muito inspirados (incrível como o talentosíssimo Bruno Brahmss Kermanns conseguiu impetrar sua identidade às características da banda), criando a camada perfeita para a sonoridade grandiosa da banda e uma bateria tão imponente e técnica que merece uma audição apenas para apreciarmos sua execução. "In Monolitus" possui tantas variações e quebras de andamento que chegamos ao seu final completamente extasiados por sua execução. Tudo aqui é superlativo demais!
O massacre segue em ".:. preconceptual · genesis · circularis · elementarum · existentiam .:.". De início mais veloz que a anterior, logo somos banhados novamente pela maestria que a MORCROF possui. Sabe aqueles times que já tabelam de forma clara e fácil, onde cada membro sabe exatamente qual o seu papel dentro da estrutura criada? Sentimos este entrosamento em todo o disco.
O elevado nível técnico visto logo nos segundos iniciais mostra que esta faixa não poderia ser executada por qualquer mortal.
O detalhe importante aqui é que, mesmo com toda essa magnitude, não há a pujança que encontramos em alguns discos voltados para a virtuose dos músicos. Não. Aqui o metal obscuro é o pilar de sustentação da banda que tem como única preocupação manter sua essência musical intacta. A tonelada de influências dos músicos (indo do progressivo ao metal tradicional. Do doom ao black metal) transforma esta sonoridade em momentos únicos e inesquecíveis. São nove minutos de uma viagem etérea aos confins do existencialismo.
A explosão do início até o surgimento do caos e a reestruturação de todos os elementos são recriados em ".:. præludium ·:· aperite · portæ .:.", uma pequena passagem preparatória para a já conhecida ".:. portæ · ex · solis · sursum · aquilonem .:." (lançada como single pela banda em 2015 e.v.).
E aqui percebemos que não só a execução das músicas é grandiosa, como suas próprias construções. "Portae" pode ser dividida em três grandes partes onde seu fim verte exatamente para o início desta viagem pela desconstrução das estruturas universais. Um primor onde toda a exuberância da MORCROF explode pelos falantes. Nesta faixa temos também os momentos mais progressivos da banda, com elementos menos tradicionais que despertarão o superconsciente do ouvinte.
Caminhamos para os momentos finais de CGAAVR, porém ainda há tempo para surpresas. O início tétrico de ".:. existentia · imperfectum · est .:." logo cede a uma interpretação vocal soberba, tendo como base uma condução altamente intricada, onde a banda a muda constantemente, porém sem que haja mudanças no tempo da música. Isso a deixa ainda mais complexa e sublime! Sutis elementos orientais são percebidos enquanto as bases mostram-se, talvez, as mais pesadas do disco.
De verdade: o trabalho sonoro realizado aqui beira o absurdo. O que R'Herton faz com a bateria (principalmente nesta música) é algo que mexe com o mais incauto ouvinte. Enquanto isso, os demais músicos mudam a condução como se fosse algo trivial. Supremo!
O momento mais inusitado surge em ".:. ad · infernum · exilio · meam .:.", onde a banda, pela primeira vez, utiliza refrãos em sua música. E, não por isso, estes momentos deixam a música com uma grandiosidade tão natural quanto o requinte apresentado.
Este artifício deixou a música ainda mais interessante. Além disso, "Ad Infernum" possui andamentos que fogem da normalidade do metal. Se você é músico, tente entender o que a banda faz aqui. São coisas que só podem ter sido criadas e executadas por mentes insanas e fora do comum. Mentes que se conectaram perfeitamente na construção de um trabalho único.
A transição sentimental que acontece aqui, da grandiosidade à tristeza e vazio em seu final sintetizam muito bem a atmosfera criada. Este sentimento se intensifica com a outro ".:. gratiam · æon · sapientia · mundi .:.". Um momento de rara solidão na sonoridade da banda, onde fechamos o ciclo perfeito com o início deste disco, mostrando o quão cíclica pode ser a existência.
VEREDITO
Geralmente quando uma banda passa tanto tempo sem lançar um novo trabalho ela se perde com o decorrer dos anos. São precisos alguns discos para que recupere toda a grandiosidade de outrora.
Não foi o que aconteceu aqui. ".:.CODEX.GNOSIS.APOKRYPHV.:.arcano.verba.revelatio .:." possui uma história de muito sacrifício, dificuldades e superação na história da banda. E cada um destes pormenores são perceptíveis em todos os 52 minutos que o compreendem. Por mais grandioso que seja, conseguimos captar o trabalho árduo da banda em cada nota.
Talvez isso o gabarite como um dos trabalhos mais espetaculares que já ouvi em minha vida.
O trabalho executado pelos membros neste álbum é espantoso. Dotados de muita técnica e requinte, cada membro sabe exatamente o que realizar para que a obra seja suprema.
Este é um daqueles discos que obrigatoriamente precisam estar na coleção de todo amante da boa música.
NOTA FINAL
Este disco não seria tão grandioso se não tivesse o brilhante arremate de AlexDog do KW Home Studio (hoje um dos poucos estúdios que realmente entendem o que é o underground). Seu trabalho aqui possibilitou a extrema qualidade sonora deste álbum, o transformando em uma obra-prima.
Destaques também para a arte gráfica, a cargo de Ludwick Schölzel. Retrata muito bem o clima épico e sombrio da banda.
10/10
(Daniel Aghehost)
TRACK-LIST
1..:. invocatio · spiritus · antiquis .:.
2..:. in · monolitus · ex · avorum · spiritus · mundus .:.
3..:. preconceptual · genesis · circularis · elementarum · existentiam .:.
4..:. præludium ·:· aperite · portæ .:.
5..:. portæ · ex · solis · sursum · aquilonem .:.
6..:. existentia · imperfectum · est .:.
7..:. ad · infernum · exilio · meam .:.
8..:. gratiam · æon · sapientia · mundi .:.