MEDIEVAL DEMON - All Powers of Darkness
(Hells Headbangers Records- Clique aqui para adquirir)
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
O nome MEDIEVAL DEMON há muito ecoa como parte essencial da tradição helênica do black metal. Fundada em 1993, a banda cultivou uma aura de culto desde o clássico “Demonolatria” (1998). Este foi o álbum que me fez conhecer a banda e acompanhá-la desde então. Infelizmente, a banda entrou em um longo hiato, retornando anos depois com uma nova fase que se mostrou não apenas produtiva, mas artisticamente ousada. Trabalhos como “Medieval Necromancy” (2018), “Arcadian Witchcraft” (2021) e “Black Coven” (2022) firmaram esse renascimento, reforçando uma sonoridade que conjuga fidelidade às raízes com uma teatralidade ritualística crescente. Agora, em 2025, o quarteto de Atenas chega ao seu quinto álbum, “All Powers of Darkness” (Hells Headbangers), e entrega uma obra que consolida sua identidade com uma intensidade impressionante.
Com Lord Apollyon conduzindo composições, teclados e bateria, Sirokous encarnando vozes que variam entre o gutural mais espectral e a declamação cerimonial, Jim Mutilator trazendo sua experiência histórica (ex-ROTTING CHRIST, ex-VARATHRON, atual YOTH IRIA) no baixo, e Chthonius responsável pela guitarra, a MEDIEVAL DEMON criou aqui uma obra que soa como um ritual completo: oito faixas que mesclam agressividade, elementos sinfônicos e atmosferas litúrgicas de forma única.
Suntuosos teclados abrem as portas de “Mystic Path Towards the Abyss”, preparando o terreno para que a voz de Sirokous irrompa em fúria, acompanhada pelo ataque devastador do instrumental. O que se segue é pura grandiosidade: uma ambiência majestosa construída pelos teclados, a base rítmica precisa e implacável que ressalta ainda mais a força de Mutilator e Lord Apollyon, e as guitarras de Chthonius, que vertem melodias como lâminas incandescentes. De repente, a ferocidade cede espaço a uma veia atmosférica marcada por sons arcaicos e vocais sussurrados, como se brotassem das profundezas do abismo. É um verdadeiro chamado às almas negras que reverenciam a teatralidade inconfundível do black metal grego. A sensação é de rito cerimonial em andamento, com o ouvinte sendo levado por um caminho de névoa e fogo ritualístico. Sem exagero: um dos hinos definitivos da carreira da MEDIEVAL DEMON.
O apogeu surge em “Archaic Sacrificial Rites” quando a banda apresenta todo o lirismo visceral que o black metal grego possui. Teclados que conduzem brilhantemente a música servem como cortina para o ritual negro que tem os vocais como regente desta peça maldita. A transição do abissal para os cerimonialmente declamados beira a perfeição! A inclusão de coros litúrgicos, as batidas tribais, o solo dissonante do baixo de Mutilator, tudo isso transforma esta em outro momento de total reverência às artes ocultas. O resultado é um verdadeiro cortejo sonoro que leva o ouvinte à beira do fogo sagrado.A qualidade vocal de Sirokous é soberba, colocando-o como um dos principais vocalistas do black metal atualmente. Destaque também para o solo de Chthonius: além de extremamente virtuoso, esbanja requinte e sofisticação. Se você não conhece a MEDIEVAL DEMON, recomendo que comece por este disco.
A mais extensa jornada do álbum, “Primordial Souls of Tartarus”, ergue-se como um verdadeiro monumento dentro da obra. Em seus mais de sete minutos, a faixa reúne tudo o que a MEDIEVAL DEMON sabe fazer de melhor: fúria visceral, transições de intensidade que beiram o dramático e uma alternância vocal e instrumental que mantém o ouvinte em constante êxtase. É como se a banda abrisse as portas do próprio Tártaro, deixando escapar ecos de almas ancestrais em meio ao caos controlado da música.
O impacto cresce ainda mais quando o andamento se transforma, e os riffs inconfundíveis da escola helênica emergem em todo seu esplendor. Nesses momentos, é impossível não ser transportado às atmosferas clássicas de bandas como VARATHRON e NECROMANTIA, mas aqui revestidas de uma aura renovada e pessoal. “Primordial Souls of Tartarus” não é apenas a faixa mais longa do disco — é também a mais ambiciosa, um épico que reafirma porque o black metal grego ocupa um lugar tão especial no coração dos cultuadores da escuridão.
“Eosforean Night” irrompe com agressividade, conduzida por linhas de baixo furiosas que se destacam com imponência, enquanto guitarras e bateria avançam com a força de um demônio. Ao longo da faixa, os riffs se entrelaçam em licks que explodem perto dos momentos finais, ricocheteando em múltiplas direções até se unirem novamente em um clímax de arranjos orquestrais. Os sintetizadores, em timbres que lembram flautas espectrais, dobram a melodia de guitarra em tom quase lamentoso, ampliando a densidade emocional da música. Sem dúvdas, esta canção ergue-se como um dos pontos altos do álbum: melódica em sua essência, mas também memorável pela força bruta que emana. A MEDIEVAL DEMON aqui reafirma sua escolha estética — não pelo virtuosismo em progressões complexas, mas por gestos amplos, uniformemente sombrios, que preservam o equilíbrio entre teatralidade e brutalidade. O resultado é uma faixa que permanece ecoando muito além da primeira audição.
À medida que avançamos pela audição de “All Powers of Darkness”, fica impossível não se impressionar com o papel monumental dos teclados. Logo em “Raging Lord of the Deeps”, talvez o ponto mais alto do disco nesse aspecto, eles se tornam protagonistas absolutos: das introduções misteriosas até a construção de uma atmosfera carregada de trevas, cada acorde contribui para erguer uma muralha sonora grandiloquente. Os tambores rituais ressoam como ecos ancestrais, enquanto as invocações vocais invadem os ouvidos com a mesma insistência de vermes que se infiltram na carne.
As guitarras, por sua vez, destilam melodias de bom gosto e reverência aos grandes baluartes do metal. O resultado é, sem dúvida, a MEDIEVAL DEMON mais cinematográfica até aqui — ainda que alguns possam sentir falta de uma maior ênfase nas guitarras rítmicas. Para mim, no entanto, a faixa cumpre seu papel com louvor, mesmo deixando, em alguns momentos, a sensação de que, neste ponto, as ideias começam a soar meio repetitivas.
Essa percepção não chega a comprometer a solidez de “All Powers of Darkness”, mas é impossível ignorar que a teatralidade arrebatadora das faixas iniciais acaba por ofuscar, ainda que parcialmente, o brilho de “Fullmoon over the Temple of Belial” e “Abaddon”. A primeira segue fiel à lógica estrutural do disco, explorando mudanças de andamento e nuances atmosféricas que já se tornaram marca registrada da obra. No entanto, mesmo com um desfecho ritualístico de grande impacto, paira a sensação de que a banda recorre aqui a fórmulas já apresentadas anteriormente, o que lhe confere certo tom de familiaridade excessiva.
“Abaddon”, por sua vez, irrompe com ferocidade visceral, como um trovão que anuncia o fim dos tempos. Mas, em vez de sustentar esse ímpeto inicial, logo se rende a novas transições melódicas e passagens tribais que, apesar de belas e bem construídas, quebram o fluxo agressivo que havia se estabelecido. A alternância entre brutalidade e contemplação, que em outros momentos do álbum funciona com perfeição, aqui soa menos inspirada, dando a impressão de um tropeço no equilíbrio da narrativa musical.
Ainda assim, não se pode falar em queda de qualidade. Os arranjos permanecem sofisticados, a aura permanece intacta, e a grandiosidade que envolve cada composição continua evidente. O que pesa, neste ponto, é a comparação inevitável com os momentos superlativos que abriram o disco — e diante deles, tanto “Fullmoon over the Temple of Belial” quanto “Abaddon” parecem carregar o fardo de não atingir o mesmo impacto, correndo o risco de provocar um leve desgaste na audição contínua.
O disco encontra seu clímax derradeiro na faixa-título, “All Powers of Darkness”, uma composição que concentra em si todo o peso e a teatralidade apresentados ao longo da obra. Densa e envolta em trevas, ela surpreende pela maneira como evoca ecos diretos da tradição helênica: em diversos momentos, os vocais de Sirokous remetem à imponência abissal de Stefan Necroabbissious (VARATHRON), criando um elo imediato com o legado do black metal grego e, ao mesmo tempo, reafirmando a identidade própria da banda.
Musicalmente, tudo aqui soa como um caos cuidadosamente arquitetado. O baixo metálico e retumbante de Mutilator — em uma performance que chega a eclipsar seu trabalho em outras bandas — dialoga com as guitarras que alternam riffs hipnóticos e explosões de solos arrebatadores, enquanto a bateria oscila entre ataques brutais e passagens mais cadenciadas, sustentando a atmosfera ritualística da faixa. Essa colisão de elementos dá vida a uma peça que parece estar sempre à beira do colapso, mas que encontra justamente nesse limite sua força magnética.
O inesperado surge nos adornos instrumentais: flautas e até mesmo saxofone despontam como camadas adicionais de estranhamento e solenidade, funcionando como peças essenciais para transformar o final em algo grandiosamente cerimonial. Em sua soma, “All Powers of Darkness” não é apenas o encerramento do disco, mas um verdadeiro rito de coroação, encerrando o álbum com imponência e reafirmando a capacidade da banda de arriscar sem perder o vínculo com a essência obscura o gênero. Um epílogo perfeito para um trabalho que, sem dúvidas, entrega muito mais acertos do que deslizes.
VEREDITO
“All Powers of Darkness” é um disco que reafirma a relevância da MEDIEVAL DEMON dentro do black metal grego, mas não sem ressalvas. O trabalho impressiona pela força das atmosferas, pelo peso dos teclados e pela capacidade de transformar cada faixa em um ritual imersivo. Há momentos de altíssima inspiração, como em “Mystic Path Towards the Abyss” e “Archaic Sacrificial Rites”, que soam como definições do que a banda pode entregar de melhor: coesão, dramaticidade e um senso de identidade inconfundível.
No entanto, é inegável que o impacto inicial acaba por ofuscar certas passagens mais adiante. Faixas como “Fullmoon over the Temple of Belial” e “Abaddon” trazem boas ideias, mas carecem do mesmo vigor e frescor, criando a sensação de repetição de fórmulas já expostas antes no álbum. Isso não compromete a solidez geral, mas diminui o fôlego da obra no meio do caminho.
Ainda assim, o saldo é positivo. O quarteto entrega um trabalho grandioso, capaz de dialogar com sua própria tradição sem se perder em saudosismo. É um disco que merece atenção, mas que poderia ter sido ainda mais devastador se tivesse mantido a mesma intensidade do início até o fim.
9.3/10
(Daniel Aghehost)
TRACK LIST
1. Mystic Path Towards the Abyss
2. Archaic Sacrificial Rites
3. Primordial Souls of Tartarus
4. Eosforean Night
5. Raging Lord of the Deeps
6. Fullmoon over the Temple of Belial
7. Abaddon
8. All Powers of Darkness