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PRIMEIRAS IMPRESSÕES: MORCROF - Colvmnae Stoicae (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 06/11/2025 15:14
Resenhas

MORCROF - Colvmnae Stoicae 

(Erinnys Productions // No Posers Records)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Mais de trinta anos após sua fundação, a MORCROF permanece como representante único dentro do underground brasileiro: uma fusão retumbante entre filosofia, ocultismo e arte sonora. Desde os primórdios, a banda nunca se limitou ao black ou death/doom metal em si: sempre buscando a transcendência intelectual e espiritual através da música. Em “Colvmnae Stoicae”, seu mais recente trabalho, lançado em 2025 pela Erinnys Productions e No Posers Records, o grupo sintetiza essa essência de forma concisa e conceitualmente precisa. O EP é breve, mas denso, funcionando como um tratado musical sobre a impermanência, o prazer e a consciência da morte, pilares estoicos reerguidos em colunas obscuras e meditativas.

A jornada começa com “Carpe Diem”, composição de Caecus Magice e Philosophor Noctis, que serve como a primeira coluna simbólica do EP. Aqui, a MORCROF parte da máxima latina “carpe diem, quam minimum credula postero” (colha o dia, confiando o mínimo possível no amanhã) para manifestar uma reflexão sobre o hedonismo lúcido. A música alterna belíssimos riffs de guitarras (alías, o trabalho realizado por Aaron Maat e Lux Al´Maíd esbanja entrosamento e requinte, provenientes da maturidade musical), camadas densas  e sombrias de teclado e magistrais linhas de baixo e bateria (não há dúvidas de que as baquetas de Bruno Mastemas fazem grande diferença na sonoridade da banda), como se o ouvinte transitasse entre corpo e espírito. As variações vocais também são destaque, crlando a atmosfera narrativa perfeita. O verso “impera tua vita et metent voluptates ab campu ex absurdum”  (comanda tua vida e colha os prazeres do campo do absurdo”) revela o cerne do pensamento da faixa: viver é ato de consciência, não de fuga. A sonoridade reforça essa ideia: melancólica, mas jamais resignada, criando um refinamento sonoro quase filosófico. Sem dúvidas, um registro marcante desta fase atual da banda.

A faixa-título, “Colvmnae Stoicae”, é um curto instrumental de 45 segundos que funciona como eixo conceitual do trabalho. Composta por Aaron Maat, suas notas discretas de teclado em harmonioso duelo com as cordas, soam como um interludio entre dois mundos: o da carne e o da morte. É o momento de suspensão, o espaço necessário entre o impulso vital de “Carpe Diem” e a reflexão sepulcral de “Memento Homo Memento Mori”.

Em “Memento Homo Memento Mori”, composição originalmente concebida por Aziz “Magice” Simão (ABHOR, GUEHENOM) em 1993 e ressignificada aqui com nova letra de Philosophor Noctis, a MORCROF atinge o ápice de sua expressividade. É uma das mais belas e sombrias peças já escritas pela banda. A música se desenvolve em movimentos lentos, quase litúrgicos, acompanhando versos que mesclam estoicismo e tragédia humana: “omne quod natum est morietur” (tudo o que nasce, morre). A interpretação vocal de Philosophor Noctis é solene, como um monge diante do espelho do tempo, e a estrutura instrumental cria uma atmosfera que transcende o metal extremo em si, extrapolando os limites do black doom metal. Realmente, um dos grandes momentos desta nova fase vivida pela banda: uma música que mantém viva a essência construída em seu início, mas que transborda sentimento graças à coesão da formação atual. Há algo de teatral e sacro, com guitarras que mais evocam do que confrontam, e teclados que soam como orações pontuais. É uma faixa que parece feita para ser ouvida à luz de velas: um verdadeiro epitáfio filosófico. 

O encerramento vem com “Tripudium Macabre”, instrumental de caráter ritual, conduzido por percussões fúnebres e acordes que lembram uma procissão silenciosa. A MORCFOF é conhecida por belíssimas faixas instrumentais e passagens memoráveis, mas nada se compara ao feito aqui. Confesso que são necessárias algumas audições para que seja possível captar o propósito desta faixa. O título, que pode ser traduzido abertamente como “dança macabra”, encerra o ciclo da vida com solenidade. É o momento em que o ouvinte, após refletir sobre o prazer e a mortalidade, caminha em direção ao silêncio final. O EP termina onde tudo começou: no reconhecimento da fragilidade humana e na serenidade que isso pode proporcionar. Diferente, é verdade, mas extremamente funcional.

“Colvmnae Stoicae” é mais do que um lançamento isolado: é a continuidade natural da jornada filosófico-musical da MORCROF. O EP revisita antigos conceitos da banda sob uma nova lente: menos agressiva, mais contemplativa, mas igualmente intensa em espírito. Em tempos de superficialidade, a banda reafirma o poder da arte como veículo de pensamento. A produção artesanal (outo ponto de destaque é o trabalho de Lau Andrade, da Conspiração Records, que consegue extrair todo o requinte dos músicos) e a brevidade das faixas não diminuem seu impacto; pelo contrário, tornam-no ainda mais simbólico, como um manuscrito breve e sagrado. É uma obra que exige escuta atenta e entrega emocional. Um convite a pensar a morte, para compreender a vida. 

 

EM POUCAS PALAVRAS:

 

DESTAQUES:

“Carpe Diem”, pela força lírica e filosófica, e “Memento Homo Memento Mori”, por sua atmosfera solene e transcendental, figuram não só como destaques deste trabalho, mas como de sua vasta discografia. É gratificante sentir, já nos acordes iniciais, que esta formação está moldando uma sonoridade única para a banda.

 

PONTOS DE ATENÇÃO:

A faixa “Tripudium Macabre” é tão distante de tudo que a banda já produziu, que pode soar estranha para ouvidos acostumados com a sonoridade da banda. Mesmo sendo conhecida por experimentalismos, aqui a banda foi além do óbvio.

 

EXTRA-MÚSICA:

A capa belíssima, assim como o design gráfico (à cargo de Ροντρίγκο Ντινήζ - Rodrigo Diniz), merecem destaques por evocarem brilhantemente o elo entre sabedoria antiga e decadência humana. Realço, mais uma vez, o trabalho de Lau Andrade na produção deste trabalho. Esta parceria faz com que a sonoridade da banda fique ainda mais refinada.

 

VALE A PENA?

“Colvmnae Stoicae” é uma pequena joia oculta, destinada a ouvintes que enxergam no metal não apenas música, mas reflexão. Um manifesto sobre a serenidade diante da morte, sobre a força que nasce do desassossego.

Cada nota soa como um fragmento de um tratado sobre a arte de viver e morrer com dignidade, ecoando valores que ultrapassam o efêmero. Um convite à introspecção: e à resistência silenciosa da alma diante do caos.

Se for o seu caso, este EP é para você.

  

9.3/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. Carpe Diem

2. Colvmnae Stoicae

3. Memento Homo Memento Mori

4. Tripudium Macabre

 

 

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