PRIMEIRAS IMPRESSÕES: SODOM - The Arsonist (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 19/08/2025 14:57 • Atualizado 19/08/2025 14:58
Resenhas

SODOM - The Arsonist

(Valhall Music // Sound City Records - Clique aqui para adquirir)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Pode parecer uma heresia, mas o thrash metal nunca foi meu estilo preferido. Tirando os discos clássicos, tenho pouca coisa em casa e não conheço muito do que é feito atualmente dentro do estilo. Então, bandas como DESTRUCTION, KREATOR, EXODUS e outros baluartes não causam em mim o mesmo frisson que em muitos headbangers. Ainda assim, existe uma exceção que me tira o chão desde a adolescência: SODOM. Desde a primeira vez que ouvi "Obssessed by Cruelty" numa fitinha que me foi dada pelo velho amigo Gustavo (o cara mais radical da zona da mata mineira), lá no final dos anos 80, eu soube que aquele som empoeirado, violento e sincero falava diretamente àquela parte selvagem do meu espírito. Ali começou um caso de amor juvenil que o tempo não conseguiu apagar. Por isso, quando coloquei os ouvidos em “The Arsonist”, décimo sétimo disco de estúdio da banda, senti como se estivesse reencontrando uma velha faísca que nunca deixou de arder.

A primeira fagulha vem com a própria faixa de abertura, “The Arsonist” — uma intro instrumental que, apesar de curta, prepara o terreno como uma cortina de fumaça antes da explosão. Sinistra e atmosférica, ela evoca ruínas, tensão e o prenúncio da destruição que vem a seguir. E ela vem mesmo, com “Battle of Harvest Moon”, um ataque frontal com riffs afiados como baionetas e uma bateria de metralhadora comandada por Toni Merkel (também responsável pela bateria da grnde DARKENED NOCTURN SLAUGHTERCULT). A música evoca a brutalidade de um campo de batalha e carrega o espírito de operações militares reais, como a do título — mais uma vez, a SODOM mergulha nas cicatrizes da guerra não como espetáculo, mas como denúncia. O solo dramático, quase melódico, oferece uma pausa breve antes de o tanque retomar sua marcha. Aliás, a dupla Frank Blackfire e Yorck Segatz apresenta, em todo o disco, guitarras velozes e furiosas, que criam riffs e momentos únicos!

Em “Trigger Discipline”, a banda entrega uma de suas faixas mais violentas e diretas. A comparação com SLAYER pode surgir pelo timbre vocal de Angelripper, mas o DNA da música é puramente SODOM: riffs que soam como granadas de mão, alternância entre andamentos e uma letra que denuncia o colapso moral de um atirador que perdeu qualquer traço de humanidade. A produção analógica da bateria brilha aqui, com um timbre de caixa seco e cortante que remete aos dias de “Agent Orange” (1989), mas com uma assinatura mais suja, mais humana — como se o próprio microfone estivesse sangrando.

A quarta faixa, “The Spirits That I Called”, é mais curta, mas funciona como um soco certeiro. Com riffs enérgicos e um refrão que gruda sem perder peso, ela remete ao clima mais direto de “Genesis XIX” (2020), mas soa ainda mais amarrada e coesa. É uma música que pede mosh pits e gritos coletivos, dessas que funcionam tanto no fone quanto no palco. Não por acaso, é uma das candidatas naturais para os futuros setlists ao vivo.

“Witchhunter” é um capítulo à parte. Um tributo sentido a Christian "Witchhunter" Dudek, lendário baterista da formação clássica da banda, falecido em 2008. A música carrega um clima quase cerimonial, resgatando o feeling dos discos dos anos 80 com uma produção atualizada. O riff é sujo, direto, com uma pegada quase punk, e o refrão tem algo de ritualístico. Mais do que homenagem, é um reencontro — como se a banda convocasse o espírito de seu ex-companheiro para mais uma batalha, uma última marcha sob a bandeira do thrash germânico. Um tributo honesto para um dos maiores bateristas que o thrash metal já teve.

“Scavenger” marca uma mudança de ritmo. Com uma introdução arrastada, sombria e sufocante, ela se desenrola em um mid-tempo carregado de tensão. O riff principal é hipnótico, e o groove que se estabelece depois é um dos mais pesados do álbum. Aqui, a produção analógica mostra sua força: há espaço, textura, respiração — como se o som tivesse poros por onde a sujeira entra. Uma das faixas mais atmosféricas, que prova que a SODOM sabe ser brutal também na lentidão.

Já “Gun Without Groom” retoma o ritmo com brutalidade, mas sem perder o peso atmosférico da anterior. Há aqui uma sensação de urgência, de descontrole — a música cresce em espiral, com vocais cheios de fúria e riffs que alternam entre a pancadaria direta e frases mais sutis, quase dissonantes. A tensão é constante, e o refrão parece cuspido com ódio. Uma música que mostra como a banda, mesmo com mais de quatro décadas de estrada, ainda soa faminta.

Em “Taphephobia”, temos um híbrido fascinante entre o espírito agressivo de bandas como DISCHARGE e MOTÖRHEAD e o thrash visceral da SODOM. A faixa tem uma crueza cronometrada: tudo nela soa espontâneo, mas amarrado por músicos que dominam seus instrumentos como quem segura armas de precisão. A bateria, mais uma vez, é um show à parte — a execução visceral de Toni Merkel confere uma vibração orgânica que falta em muitos álbuns contemporâneos. O refrão aqui é tão direto quanto um chute no estômago, mas a faixa toda tem uma musicalidade subversiva e charmosa.

“Sane Insanity” continua a marcha com uma velocidade insana e riffs serrilhados. Não há espaço para concessões: a música avança como uma tropa enlouquecida, e Angelripper cospe as palavras como quem rasga um manifesto à força. Mesmo em sua simplicidade, a faixa é memorável — talvez por sua honestidade crua, sem floreios, sem frescura.

Já em “A.W.T.F.”, temos um momento curioso. A faixa é uma homenagem ao vocalista Algy Ward (TANK), mas Tom Angelripper prefere manter o mistério sobre o que exatamente o acrônimo representa. Musicalmente, é uma viagem aos anos 90 da banda, com aquela pegada meio crust, meio thrash sujo, e vocais com múltiplas nuances. É uma das faixas mais imprevisíveis do álbum — e talvez por isso, uma das mais interessantes.

“Twilight Void” vem como um animal noturno, ameaçador e progressivo. A introdução é sinistra, quase cinematográfica, e quando o riff finalmente entra, é como uma explosão que tira o teto da canção. Aqui, a estrutura é mais expansiva: a música se constrói, colapsa, reconstrói. O solo de guitarra é um dos melhores do disco, e o peso se mantém constante até o final. Um verdadeiro ponto alto do álbum, especialmente por sua ousadia estrutural.

“Obliteration of the Aeons” reúne todos os ingredientes que temperam este novo banquete de destruição da SODOM — riffs dilacerantes, batidas impiedosas e vocais carregados de fúria. No entanto, a essa altura do disco, a fórmula já começa a dar sinais de desgaste. Mesmo com sua cadência ameaçadoramente arrastada e clima opressivo, a faixa pouco acrescenta ao conjunto, soando como um eco do que já foi dito, e melhor, anteriormente. É o tipo de música que evidencia um dos riscos de álbuns longos demais: quando a intensidade não é calibrada com variação, até a brutalidade pode se tornar previsível.

O encerramento vem com “Return to God in Parts”, uma faixa que evoca, mais uma vez, os anos 90 da banda com um pé em “Masquerade in Blood” (1995) e outro em “Code Red” (1999). A estrutura é mais livre, e os vocais de Angelripper exploram timbres variados — grunhidos, urros, lamúrias metálicas. É um fechamento épico e destrutivo, que parece selar o disco com sangue seco.

A capa de The Arsonist, assinada pelo genial Zbigniew M. Bielak, é um espetáculo à parte. A imagem de um soldado e a própria morte reconciliados em meio ao caos traduz visualmente o conceito do álbum: não a glorificação da guerra, mas o retrato da decadência humana e da inevitabilidade da destruição. A figura de Knarrenheinz, mascote da banda, veste a farda e carrega consigo o horror que espreita em cada faixa do álbum. É uma arte que não apenas ilustra, mas aprofunda a experiência do ouvinte. 

 

VEREDITO

“The Arsonist” é, sem sombra de dúvida, um dos álbuns mais coesos e contundentes da carreira recente da SODOM. Não é um disco que reinventa a fórmula da banda, mas tampouco se acomoda no piloto automático. É a celebração de uma banda que conhece seus limites — e que sabe como estraçalhá-los quando necessário. Com produção analógica impecável, performances incendiárias e uma coesão temática brutal, o novo trabalho de Tom Angelripper e companhia soa como uma última investida antes do fim dos tempos.

E se este for mesmo o último suspiro por um tempo, como alguns rumores sugerem… que seja lembrado como um brado de resistência. A SODOM segue sendo guerra. SODOM segue sendo caos. E “The Arsonist” é seu estandarte em chamas.

Ouvir esse disco não é apenas um deleite para os fanáticos do thrash metal old school — é também uma viagem no tempo, que me leva de volta àquele jovem Aghehost, vibrando a cada riff do tanque de guerra germânico.

  

9.3/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. The Arsonist

2. Battle of Harvest Moon

3. Trigger Discipline

4. The Spirits That I Called

5. Witchhunter

6. Scavenger

7. Gun Without Groom

8. Taphephobia

9. Sane Insanity

10. A.W.T.F.

11. Twilight Void

12. Obliteration of the Aeons

13. Return to God in Parts

 

 

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