LORD BELIAL - Unholy Trinity
(Metal Army Rec - disponível em breve)
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Trinta e três anos depois de surgir na gelada Trollhättan, a LORD BELIAL volta com tudo em “Unholy Trinity”, seu décimo álbum de estúdio e a sequência direta do retorno marcado por “Rapture” (2022). Se aquele disco celebrou a ressurreição da banda com força total, este novo capítulo é a prova de que eles não só continuam fiéis à própria essência, como também a levam a um novo patamar — mais afiada, mais sombria, mais precisa. Entre nevoeiros gélidos, blasfêmias ritualísticas e riffs em brasa, “Unholy Trinity” entrega uma experiência intensa, quase litúrgica. É uma descida pelas catacumbas do black metal melódico guiada por caras que ajudaram a definir o estilo.
A formação permanece firme: Thomas Backelin continua liderando os vocais e guitarras ao lado de Niclas “Pepa” Green, enquanto Micke Backelin comanda as baquetas do armagedom. A produção, mais uma vez comandada por Andy LaRocque (KING DIAMOND), acerta em cheio. O som é limpo o bastante para deixar as melodias respirarem, mas ainda carrega uma aspereza cortante, como uma ventania de gelo. A arte de Mike Hrubovcak fecha o pacote com perfeição, traduzindo visualmente a atmosfera do disco em uma arte que deixa a capa sombria, ameaçadora, mas cheia de detalhes que prendem o olhar.
O álbum já começa rasgando com “Ipse Venit”, cujo nome em latim sugere a chegada de uma entidade.. Sem introdução, sem cerimônia: riffs afiados, blast beats impiedosos e guitarras que soam como o black metal deve soar. A voz de Thomas carrega uma energia de pregação herege, como se estivesse vociferando de um púlpito profanado. As melodias, quase lamentosas, revitalizam o black metal sueco dos anos 90, mas com a bagagem de quem percorreu um longo caminho. Faixa de abertura perfeita para manter o interesse elevado do ouvinte.
Em seguida, “Glory to Darkness” aumenta o clima dramático. A música alterna momentos explosivos com passagens quase etéreas, criando uma montanha-russa emocional. As guitarras soam como coros fúnebres, enquanto a letra fala sobre a entrega consciente às trevas — uma oposição direta à fé cega. A bateria é um espetáculo à parte, com mudanças de ritmo que transformam a música em um verdadeiro campo de batalha entre luz e sombra. Os suecos acertam muito quando casam estas alternâncias de forma elegante, deixando sua sonoridade ainda mais melódica, mesmo áspera além da conta.
“Serpent’s Feast” é um dos destaques do disco. Começa com dedilhados limpos, quase acústicos, que logo são engolidos por dissonâncias e vocais que parecem invocar uma seita obscura. A música gira em torno da figura simbólica da serpente e do pecado como banquete — uma metáfora poderosa. Os trechos corais reforçam o tom cerimonial da faixa, que cresce até um clímax digno de um ritual final. Talvez esta seja a faixa que mais remeta a um de seus maiores clássicos, o antológico “Enter the Moonlight Gate” (1997), seja pelo seu clima sinfônico, seja pela destreza em transmitir sentimentos negros em melodias ímpares. A participação de LaRocque nesta faixa cria instantes memoráveis!
“Blasphemy” é curta e direta, um ataque sonoro de menos de quatro minutos. Riffs serrados, vocais cuspidos com puro desprezo e letras que escarram na doutrina religiosa. É o lado mais cru da LORD BELIAL em ação, sem firulas, mas ainda com o refinamento que só o tempo traz. Seca, direta, não atrativa para quem não respira o metal negro, como as principais bandas suecas fazem muito bem.
“In Chaos Transcend” desacelera um pouco, mas não alivia a tensão. Começa com acordes arrastados, vocalizações abissais e um andamento que conquista logo no início. A música é inteiramente envolta por efeitos atmosféricos, e vai ganhando corpo com melodias ascendentes que parecem buscar algo além do caos. A letra fala sobre encontrar transcendência na desordem — não como destruição pura, mas como forma de libertação. Os solos melódicos que explodem quando a música atinge seu ápice transcende o sentimento, cortando a escuridão como tochas acesas em um subterrâneo interminável. Esta parte melódica da música, comprova o porquê dos suecos ainda serem referência quando o assunto é Black Metal melódico.
Na sequência, “The Whore” traz uma abordagem mais direta e visceral, com uma estrutura mais simples, mas cheia de nuances. A letra mergulha no arquétipo da prostituta sagrada, tratando o sagrado e o profano como duas faces da mesma moeda. As linhas de baixo adicionam uma tensão quase sensual, criando um contraste interessante com o peso das guitarras. A esta altura, o ouvinte já está totalmente hipnotizado pela mística que envolve este disco: a cada alteração do andamento sonoro, somos impactados por um turbilhão de sensações. Um verdadeiro primor!
“Scornful Vengeance” é um estouro de raiva canalizada. A banda mostra domínio absoluto da técnica com mudanças bruscas de andamento e riffs que oscilam entre o gélido e o incandescente. O refrão soa como um grito coletivo de revanche, com vocais duplicados criando uma parede sonora infernal. Mesmo nos momentos mais agressivos, há uma beleza melódica que dá elegância ao caos. O apogeu do Black Metal sueco em melodias de grande requinte!
Na penúltima faixa, “The Great Void”, o clima é mais contemplativo. Começa de forma suave, com linhas acústicas melancólicas, mas logo se transforma em uma parede sonora densa e soturna. Os riffs dissonantes e os teclados discretos criam uma sensação de vazio absoluto — não como ausência, mas como presença total do nada. É uma visão quase cósmica do niilismo, retratada com peso e sutileza ao mesmo tempo. Aqui temos toda a técnica da banda posta à prova, já que somos colocados diante de cataclismas sonoros que retumbam o poderio dos suecos. Um momento único, fazendo desta outro grande momento deste trabalho.
O encerramento vem com “Antichrist”, uma faixa que dura mais de oito minutos e funciona como a grande síntese do álbum. É uma epopeia dividida em partes não declaradas, com momentos de andamentos opressivamente repetitivos, explosões de brutalidade e passagens melódicas que beiram o sublime. É incrível como a LORD BELIAL consegue criar momentos épicos com a sutil e brilhante utilização de teclados. O solo de Andy LaRocque é um dos pontos altos — um verdadeiro grito no escuro. A letra revisita imagens bíblicas de forma invertida, sugerindo a chegada de um messias das ruínas.
VEREDITO
A força de “Unholy Trinity” está na sua coerência e na entrega emocional. Não é só mais um disco de Black Metal: é uma obra com identidade clara, respeito às raízes e coragem para seguir em frente. Thomas Backelin entrega uma de suas melhores performances vocais, com articulação precisa, variedade e muita intensidade. As guitarras se entrelaçam como ecos perdidos num mosteiro destruído, e a bateria carrega tanto peso quanto narrativa.
No fim das contas, “Unholy Trinity” soa como um ritual completo. Um álbum que reafirma a LORD BELIAL como uma força vital do Black Metal, ao mesmo tempo em que convida o ouvinte a mergulhar no abismo — não por rebeldia juvenil, mas como uma forma de revelação interior. É um disco que não se contenta em provocar; ele transforma. E, diferente de tantos que vivem apenas do que já fizeram, os suecos continuam escrevendo sua história com sangue novo.
Obrigatório para qualquer apaixonado pela música obscura, doente e profana, ou seja, pela verdadeira essência do Black Metal.
9.5/10
(Daniel Aghehost)
TRACK LIST
1. Ipse Venit
2. Glory to Darkness
3. Serpent's Feast
4. Blasphemy
5. In Chaos Transcend
6. The Whore
7. Scornful Vengeance
8. The Great Void
9. Antichrist