PRIMEIRAS IMPRESSÔES: Dauþuz - Uranium (2024)
Resenhas
Publicado em 20/05/2024

Dauþuz  - Uranium

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PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Para quem não conhece, o duo alemão Dauþuz trouxe ao Black Metal uma temática totalmente inesperada. Apesar de sua sonoridade ser fiel ao Black Metal tradicional (sem medo de inovações), a temática apresentada pela banda em suas letras explora o período de caos e desesperança que assolou a mineração europeia. E a banda é conhecida por trazer letras altamente bem construídas, criando narrativas que extrapolam o limiar musical.

Seu último trabalho, "Uranium", ressoa com a profundidade temática e as texturas ricas e atmosféricas que a dupla alemã Aragonyth S. (guitarras, baixo e bateria) e Syderyth G (vocais) se tornou conhecida. Seu sexto lançamento de estúdio mergulha nas realidades duras e muitas vezes trágicas da mineração de urânio durante a Guerra Fria, uma mudança temática que permanece alicerçada na contínua exploração da banda sobre mineração e seus impactos. Este lançamento não apenas aprofunda seu alcance narrativo, mas também resume sua assinatura sonora de black metal atmosférico com profunda substância lírica.

Desde o início, "Uranium" é uma jornada sonora pelos corredores escuros da história e da luta humana. O foco temático do álbum muda do fantástico e arcaico para uma perspectiva mais contemporânea e igualmente sombria da mineração — destacando o sofrimento dos trabalhadores nas minas de urânio da Saxônia e da Turíngia sob administração da NKVD (A NKVD era a polícia secreta da União Soviética, responsável por segurança interna, repressão política, e execução de operações de inteligência e contrainteligência durante o regime stalinista). Essa matéria-prima confere ao álbum um tom grave e sombrio, que o Dauþuz articula através de sua música e letras meticulosamente pesquisadas.

Musicalmente, "Uranium" não se desvia muito do som estabelecido da banda, mas o refina. O álbum é repleto de linhas melódicas longas e evocativas como nunca, criando uma sensação persistente de melancolia e temor. Esses elementos são complementados pela proeza vocal de Syderyth G., cuja amplitude — de rugidos profundos e gritos tipo banshee a limpos estilo canto — adiciona uma camada dramática que é tanto assustadora quanto intensamente expressiva. Sua habilidade de alternar entre esses estilos sem esforço adiciona uma amplitude dinâmica ao álbum, realçando seu poder narrativo.

O arranjo instrumental em "Uranium" serve como um poderoso dispositivo narrativo por si só. As guitarras isoladas que fazem a transição entre segmentos espelham o isolamento e o desespero dos mineiros, enquanto o uso frequente de blast beats impulsiona o ritmo intenso do álbum. No entanto, a Dauþuz brilha mais nas seções de ritmo médio, que evocam de maneira inteligente o som rítmico de picaretas batendo na rocha, fundamentando o tema do álbum em uma experiência auditiva palpável.

O disco abre com “Pechblende (Gedeih und Verderben)”, onde a banda apresenta um tema denso e atmosférico, complementado por uma bateria lenta e pesada que evolui para blast beats intensos. A textura sonora é enriquecida por camadas de guitarras que criam um ambiente sombrio e opressivo. Clima perfeito para que a banda discorra sobre a descoberta e a dualidade da pechblende (um minério de urânio), inicialmente vista como inútil, mas que se revela perigosa e fatal. A faixa explora a transformação do minério em um símbolo de morte e destruição, refletindo sobre a ambição humana e suas consequências trágicas. . Enquanto isso, a faixa "Radonquell 1666" talvez sintetiza da melhor forma a narrativa histórica sombria do álbum, com sua mistura de gritos vocais crus e narrativa dramática tendo como base momentos de melodias melancólicas que culminam em um ápice de intensidade feroz. Esta música descreve uma fonte natural de radônio descoberta em 1666, associada a superstições e medos. As letras contam como a fonte foi inicialmente procurada por suas supostas propriedades curativas e como acabou sendo abandonada e esquecida devido ao medo de suas verdadeiras propriedades tóxicas.

Com uma abordagem mais direta, "Wüst die Heimat" combina riffs agressivos e percussão marcante com melodias que capturam um sentimento de perda e devastação. A estrutura da música reflete uma marcha inexorável em direção à destruição, criando um paralelo perfeito com o impacto da mineração de urânio na paisagem e nas comunidades locais. A música lamenta a transformação da terra natal dos mineiros em ruínas e desolação, destacando o custo humano e ambiental da mineração.

Um dos momentos de destaque de “Uranium” surge na épica “Ein Werkzeug des Todes”, onde o duo cria momentos tão inspirados que elevam sua sonoridade a patamares elevadíssimos, enquanto discorre sobre a realidade brutal dos trabalhadores das minas de urânio, muitas vezes recrutados à força para trabalhar em condições perigosas, extraindo um material que eles mal compreendiam, destinado a ser usado em armas de destruição em massa. A canção critica a ironia de como os verdadeiros mineiros foram eventualmente substituídos por trabalhadores não qualificados devido à alta demanda, sublinhando a exploração desumana e a alienação desses trabalhadores de seu próprio labor. Todo este rico contexto ganha contornos ainda mais incríveis graças ao belíssimo trabalho de Aragonyth S, criando aqui um dos momentos mais marcantes da Dauþuz.

“Wismut »Justiz«” apresenta uma dinâmica interessante de tensão e liberação, com nuances que alternam entre o urgente e o contemplativo. A guitarra e a bateria criam um ambiente carregado, que se alinha bem com o tema da música: as injustiças e os abusos cometidos contra os trabalhadores das minas pela empresa de mineração Wismut, muitas vezes sob o pretexto de justiça. As letras destacam a brutalidade e a falta de humanidade no tratamento dos mineiros.

No encerramento do álbum, "Uranfeuer 55" evoca a narrativa de um devastador incêndio em uma mina de urânio. A tragédia, marcada pela negligência e pela falta crítica de segurança, resultou na perda de vidas de trabalhadores, sublinhando a irresponsabilidade dos líderes e a tendência ao ocultamento e à negação diante de catástrofes. A história é intensamente transmitida através de vocais poderosos que alternam entre exaltar a glória e expressar a angústia da ruína. Sem dúvida, essa faixa serve como o epílogo perfeito para um álbum que desafia os limites do black metal tradicional, apresentando uma complexidade e profundidade emocional que transcendem expectativas.

 

 
VEREDITO

"Uranium", da Dauþuz, apresenta uma evolução envolvente da jornada da banda pela mitologia da mineração, desta vez sob a perspectiva da história contemporânea. Embora o álbum não marque uma ruptura drástica com seus trabalhos anteriores, revela uma evolução sofisticada no som e no enfoque temático da banda.

A fusão de black metal atmosférico com uma narrativa densa e impactante transforma "Uranium" em algo mais que um mero álbum musical: ele se converte em um registro histórico imortalizado em acordes.

Este trabalho se destaca como um testemunho poderoso do talento do grupo para amalgamar gênero e narrativa, criando uma obra imersiva e instigante que é simultaneamente única e intensamente comovente.

Para entusiastas do black metal e para aqueles que se interessam pelas intersecções entre música, história e a condição humana, "Uranium" é uma experiência audível indispensável, oferecendo uma mistura sonora rica que é tão inquietante quanto bela.

 

(Daniel Aghehost)

 

9.0/10

 

 

TRACK LIST

1. Pechblende (Gedeih und Verderben)

2. Radonquell 1666

3. Wüst die Heimat

4. Ein Werkzeug des Todes

5. Wismut »Justiz«

6. Uranfeuer 55

 

 

 

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