PRIMEIRAS IMPRESSÕES: MÁVRA - Dark Incantations (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 06/06/2025 10:38
Resenhas

MÁVRA - Dark Incantations

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PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Lançado no primeiro dia de 2025, Dark Incantations marca a estreia oficial da banda paulista MÁVRA, revelando um metal denso, arrastado e envolto em atmosferas profundamente ocultistas. Com raízes fincadas no doom tradicional, flertes com o stoner metal e claras referências ao heavy metal clássico, o álbum apresenta sete faixas (mais uma surpresa ao final) que combinam peso, melodia e uma sonoridade ritualística que remete a nomes como BLACK SABBATH, CANDLEMASS e, por que não, MERCYFUL FATE

Formada em Suzano (SP), a MÁVRA é composta por Fernando Iser (vocais, guitarras e teclados), Paulo Henrique (guitarras), Uriel Erick (baixo) e J.I. Indio (bateria). Juntos, constroem aqui um trabalho coeso e sombrio, onde cada música segue um caminho quase litúrgico, guiado por riffs encorpados, vocais carregados e letras que exploram temas como magia, espiritualidade obscura e morte. Com pouco mais de 30 minutos de duração, o álbum é direto, bem executado e demonstra uma forte identidade — uma estreia segura e promissora no prolífico cenário underground brasileiro. 

A breve introdução de “The Awake of the Witch” estabelece com precisão o clima que impera em Dark Incantations. Tudo aqui é denso, sombrio e carregado de intenção: riffs cadenciados e pesadíssimos, bateria marcada com firmeza e vocais soturnos que soam como um chamado. A estrutura é simples, mas eficaz — a repetição hipnótica dos riffs cria uma espiral descendente, reforçada por falsetes iniciais que nos transportam às melhores tradições do metal ocultista. O vocal de Iser conduz como quem profere palavras de poder dentro de um círculo mágico, evocando forças que só o ouvinte atento perceberá. 

A altamente “sabbathiana” “A Coffin Inside the Ship” exibe a habilidade da banda em alternar peso e groove com naturalidade. Os riffs secos e marcados, o andamento mais acelerado e o equilíbrio entre melodia e tensão criam um momento poderoso. Os vocais ferozes, o baixo pulsante e a bateria cheia de nuances imprimem viradas e acentos surreais, enquanto as guitarras esbanjam criatividade, lançando frases que lembram lamentos marítimos encobertos pela neblina. É como se estivéssemos a bordo de um navio fúnebre, navegando rumo ao desconhecido. 

A mais longa do álbum, “Mr. Carter”, é também uma das mais instigantes. Aqui, a MÁVRA mergulha em uma narrativa sombria com forte apelo cinematográfico. Os riffs cavalgados, as variações rítmicas e o vocal gutural criam uma atmosfera opressiva, em constante transformação. São tantas camadas, tantas mudanças de direção — sem nunca soar excessivo — que a faixa se destaca como uma verdadeira peça ritual. Mr. Carter poderia ser um herege, um mago fracassado ou apenas um homem tentando escapar de si mesmo. O ouvinte é arrastado para o mesmo abismo, em um crescendo que sufoca e fascina. 

“Moonlight”, com menos de quatro minutos, traz um respiro etéreo, mas ainda envolto em mistério. Os teclados sublimes intensificam o clima esotérico e aprofundam a atmosfera, criando um momento quase contemplativo. Os belos solos de guitarra, melódicos e emotivos, reforçam o teor requintado do álbum — um contraste que não rompe a coesão, mas a enriquece. 

Um dos pontos altos de Dark Incantations é “Eimai” (“Eu sou”, em grego). A aproximação com a estética do metal helênico acrescenta uma nova dimensão à sonoridade da banda. Os vocais evocam desespero e sombras, e os riffs densos encontram ressonância com elementos discretos de psicodelia. A faixa soa como uma afirmação existencial carregada de dor e transcendência. É uma espécie de mantra sombrio, recitado entre espirais de distorção, onde o oculto e o humano se entrelaçam. 

“Niki” surge como um feitiço de urgência. Curta, direta e ríspida, a música tem estrutura mais livre, quase improvisada, o que a torna caótica e catártica. Os riffs serpenteiam com violência, enquanto o refrão ecoa sobre teclados negros que sussurram “Ave Satani”, como se o ritual ganhasse vida própria. Aqui, o ocultismo se transforma em ação, em rebelião, em libertação. É como se a entidade convocada ao longo do disco finalmente se manifestasse. Um dos momentos mais impactantes e ritualísticos da obra. 

“Malleus Maleficarum”, que encerra oficialmente o disco, carrega todo o peso simbólico do título. O riff principal soa como o gemido das chamas que consomem hereges. Grave, arrastada e cerimonial, essa faixa alia o lamento e a fúria com uma precisão impressionante. A bateria marca mudanças com firmeza, os vocais soam como uma sentença definitiva, e a melodia, mesmo sombria, permanece ressonando após o silêncio. Aqui, doom e litania se tornam uma coisa só — como um julgamento final, não da bruxa, mas do mundo que a condena. 

E então, quando tudo parece ter terminado, a MÁVRA oferece uma última surpresa. Uma faixa não anunciada, que surge como um eco — discreta, melancólica, envolta em penumbra. Um gesto silencioso de reverência a uma tradição muito específica, recriada com a assinatura da banda. Uma homenagem feita com respeito e estilo, que deixa um sabor agridoce ao fim da audição. Um epílogo que vale a pena descobrir. 

Gravado entre junho de 2023 e setembro de 2024 no Sounder Studio, em Ferraz de Vasconcelos (SP), “Dark Incantations” apresenta uma produção que reforça a proposta obscura e ritualística da MÁVRA, onde todos os instrumentos ganham destaque nas músicas densas e repletas de detalhes. Já a arte da capa, criada por Wagner Matos (um dos grandes artistas plásticos do underground, também integrante das bandas LABAR’OCULTO e CADAVERINA), traduz visualmente o espírito do disco: símbolos arcanos, tons sombrios e uma composição que evoca o oculto sem cair no óbvio. É uma imagem que convida à contemplação, como uma estampa retirada de um tomo esotérico. A imagem não ilustra as músicas — ela as invoca. Uma das capas mais incríveis dos últimos tempos...

 

VEREDITO

"Dark Incantations" não tenta reinventar o doom metal — e é justamente aí que reside sua força. A MÁVRA sabe o que quer dizer, e o faz com convicção: com riffs pesados, ambientações sombrias, letras carregadas de simbolismo e um profundo respeito pela tradição do metal oculto. Nada aqui soa apressado, forçado ou artificial. Pelo contrário — cada faixa é um gesto intencional, um passo dentro de um ritual sonoro completo. 

Com pouco mais de meia hora de duração, o disco se desenrola como uma liturgia dividida entre invocação, jornada e condenação. Há um fio narrativo, mesmo nas faixas mais distintas, e todas elas parecem extraídas de um mesmo grimório. É uma estreia firme, madura e coesa — feita por músicos que sabem onde pisam, e por que pisam ali. 

Para quem busca um metal sombrio, carregado de atmosfera e alma, Dark Incantations é uma experiência que merece ser ouvido com atenção. E de preferência, à meia-luz. 

 

9.5/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. The Awake of the Witch

2. A Coffin Inside the Ship

3. Mr. Carter

4. Moonlight

5. Eimai

6. Niki

7. Malleus Maleficarum

 

 

 

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