PRIMEIRAS IMPRESSÕES: HATE FOREST - Against All Odds (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 04/07/2025 14:55 • Atualizado 04/07/2025 14:57
Resenhas

HATE FOREST - Against All Odds

(Osmose Productions / Black Metal Store - Clique aqui para adquirir)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Existe uma fúria que não precisa de floreios. Ela não se explica, não busca aplausos, não se disfarça de estética. Ela simplesmente arde, como um fogo ancestral alimentado por séculos de injustiça, invasões e silêncio. É exatamente essa fúria que move “Against All Odds”, o novo álbum da lenda ucraniana HATE FOREST. Um trabalho que, mais do que música, parece uma marcha de vingança escrita com sangue, suor e pedra — e que, mesmo dentro dos limites de sua proposta crua e inflexível, impõe respeito por sua convicção inabalável.

Desde sua reativação em 2020, Roman Saenko tem se mostrado menos um músico e mais um arquiteto da devastação. Conhecido também pelos projetos DRUDKH e BLOOD OF KINGU, Saenko comanda a HATE FOREST como um monólito sonoro: sólido, minimalista e sem concessões. Após os lançamentos de “Hour of the Centaur” (2020) e “Innermost” (2022), a banda retorna com “Against All Odds”, encerrando uma trilogia iniciada com os EPs “Sowing with Salt” e “Justice”. Trata-se de uma obra que não apenas fecha um ciclo, mas que afirma de forma violenta e ritualística o lugar da HATE FOREST como um dos nomes mais autênticos e violentos do black metal contemporâneo.

Logo na abertura com “Werewolves”, somos engolidos por uma muralha sonora que não cede espaço ao ouvinte. Não há introdução, nem preparação. O disco começa como um ataque, com guitarras que soam como serras circulares girando em desespero e vocais subterrâneos que mais parecem vozes de uma cripta recém-violada. A bateria, gravada ao vivo pela primeira vez na discografia da banda (o trabalho que Vlad – seu parceiro na DRUDKH – faz aqui é descomunal), confere uma organicidade brutal ao conjunto. O resultado é um som caótico, mas deliberadamente estruturado, onde cada riff é um tijolo na construção de uma parede de ódio ritualizado. Ainda que o excesso de camadas torne alguns momentos confusos ao ouvido menos acostumado, a proposta é clara: transformar o ruído em símbolo.

“One Way Ticket” dá sequência com ainda mais velocidade e densidade. A faixa é um rolo compressor em forma de black metal. Sem refrão, sem pausas, sem piedade. Aqui, a repetição se torna mantra, e a crueza dos arranjos funciona quase como uma lavagem cerebral. O título, evocativo por si só, sugere um caminho sem volta — talvez rumo ao sacrifício, talvez ao martírio. É nesse ponto que “Against All Odds” começa a mostrar que, por trás da agressividade musical, existe uma narrativa profundamente enraizada em um contexto geopolítico e histórico, ainda que a banda oficialmente rejeite qualquer associação política.

Na terceira faixa, “Devil is on Our Side”, a HATE FOREST alcança um nível de brutalidade quase ritualística. Tudo aqui é exagerado: os vocais surgem como grunhidos cavernosos, as guitarras soam como motosserras em câmera lenta, e a bateria alterna entre batidas ininterruptas e mudanças sutis de tempo. É uma música que parece invocar não o demônio do folclore cristão, mas sim a figura mitológica do caos — uma força que se alia aos marginalizados, aos que resistem. Ainda que sem grandes variações estruturais, a intensidade emocional da faixa é indiscutível, e talvez seja aqui que o ouvinte compreenda que “Against All Odds” é um álbum construído para confrontar e não para entreter.

É só em “Ukrainian Thermopylae” que o disco respira um pouco. A estrutura continua agressiva, mas o andamento desacelera levemente, permitindo que os riffs ecoem com mais clareza. O título, fazendo alusão à lendária batalha onde poucos enfrentaram muitos, revela o tom heroico e trágico da composição. Aqui, a música se converte em elegia — não há melodia, mas há honra. A repetição intencional, longe de empobrecer, constrói um ambiente hipnótico, onde cada nota parece carregar séculos de resistência. É também nesse momento que a HATE FOREST começa a integrar de forma mais evidente elementos históricos e simbólicos da cultura ucraniana, sem cair em clichês nacionalistas. Sem dúvidas, outro grande momento do disco.

“Mariupol” mantém a densidade, mas traz algo raro no repertório da banda: um vestígio de melodia. Sutil, escondida nas camadas ruidosas da produção, a linha harmônica central carrega uma tristeza difícil de ignorar. Se nas faixas anteriores o discurso era o da fúria, aqui se escuta o eco do luto. A cidade que dá nome à canção se tornou símbolo do sofrimento contemporâneo da Ucrânia, e essa memória recente se transforma em som com uma eficácia assustadora. A música oscila entre agressividade e uma espécie de reverência silenciosa, transmitindo um lamento profundo, como se cada acorde fosse uma flor deixada sobre uma cova coletiva.

Com “Coprophagus Empire”, a HATE FOREST retoma a velocidade e o ataque frontal. Há aqui uma reverência implícita — ou explícita, para os mais atentos — àqueles que se alimentam da destruição, que prosperam na decadência. A estrutura da faixa é mais dinâmica do que as anteriores, com variações de tempo e mudanças sutis na tessitura rítmica. O vocal, enterrado na mixagem, torna-se quase um instrumento percussivo. É uma composição que incomoda, que exige escuta atenta, e que entrega camadas a cada nova audição. Esta faixa (assim como praticamente todo o disco), não foi feita para pessoas que enxergam o Black Metal como um mero estilo musical. 

A penúltima faixa, “The Reaping Hand”, sintetiza os elementos mais característicos do álbum. Com um riff central que parece cortado dos discos anceestrais do black metal europeu, a música gira em torno de uma cadência obsessiva, quase litúrgica. As mudanças de tom e textura são mínimas, mas eficazes. A música cresce em espiral, engolindo o ouvinte lentamente. O clima é sombrio e cerimonial, como se estivéssemos presenciando um julgamento arcaico, com os deuses assistindo em silêncio. Há um equilíbrio entre brutalidade e contemplação aqui que poucos conseguem alcançar.

E então vem “Courage”. A última faixa. A marcha final. A música não começa: ela se impõe. São seis minutos de martírio sonoro, onde cada batida parece ecoar o som de botas atravessando uma terra devastada. A composição não oferece variação rítmica, nem quebra de dinâmica. É um fluxo contínuo, obstinado. 

É justamente isso que a torna tão grandiosa. Aqui, o título diz tudo. Não há espaço para lágrimas, para dúvida ou redenção. Apenas coragem. A música se recusa a encerrar com doçura — ela termina como começou: intransigente, brutal e fiel ao seu propósito. É o tipo de encerramento que não oferece alívio, apenas a confirmação de que a batalha ainda não acabou.

 

VEREDITO

“Against All Odds” não é um disco para todos, nem figurará nas trends dos influencers que tratam o black metal como um estilo da moda. Ele não convida, não acomoda, não tenta conquistar ouvintes com refrões memoráveis ou passagens acessíveis. Seu objetivo é outro: criar uma cápsula de resistência sonora. Em tempos de guerra, crise e colapso de valores, a HATE FOREST responde não com discursos ou entrevistas, mas com ruído — denso, doloroso, implacável. Se as primeiras audições podem parecer repetitivas, quase monótonas, o álbum revela sua profundidade na insistência. Cada faixa carrega uma nuance, uma emoção encoberta pela brutalidade. É preciso estar disposto a cavar com os próprios ouvidos para encontrá-las, ou seja, apenas os verdadeiros seguidores do metal negro encontrarão tal profundidade.

Roman Saenko, mesmo negando alinhamentos políticos explícitos, não esconde a gravidade do contexto em que este álbum nasce. A trilogia encerrada aqui é, em essência, uma resposta à invasão, à opressão, ao esquecimento. Os títulos, as imagens, os sons — tudo aponta para uma luta que transcende a música. A arte da HATE FOREST não é panfletária, mas também não é neutra. É uma arte de fronteira, forjada entre a memória ancestral e a urgência do agora.

Com “Against All Odds”, a ucraniana HATE FOREST consolida sua posição como uma das bandas mais relevantes da atual cena extrema. Pode não ser seu disco mais variado ou tecnicamente desafiador, mas é, sem dúvida, um de seus mais intensos. Um álbum que se nega a entreter, mas que consegue — pela força do som e da convicção — deixar marcas profundas. Num mundo onde tanta música se dilui em fórmulas e algoritmos, a HATE FOREST permanece como uma rocha negra no meio da corrente. Imóvel, inquebrável, inegociável. E talvez seja exatamente disso que a gente mais precise agora.

 

NOTA DO REDATOR

Excelente notícia para os apreciadores de black metal no Brasil: a gravadora Black Metal Store confirmou o lançamento nacional não apenas do álbum Against All Odds, mas também dos EPs Celestial Wanderer / Sowing with Salt (reunidos em uma única compilação) e Justice, de 2024. Uma oportunidade imperdível para que essas relíquias sonoras encontrem espaço nas coleções dos headbangers brasileiros — e o melhor, com preços acessíveis.

 

9.8/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. Werewolves

2. One Way Ticket

3. Devil Is on Our Side

4. Ukrainian Thermopylae

5. Mariupol

6. Coprophagus Empire

7. The Reaping Hand

8. Courage

 

 

 

 

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