PRIMEIRAS IMPRESSÕES: BEHEMOTH - The Shit ov God (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 22/07/2025 12:48
Resenhas

BEHEMOTH - The Shit ov God

(Nuclear Blast // Shinigami Records - Clique aqui para adquirir)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Não sou um seguidor da polonesa BEHEMOTH. Tenho em casa apenas os discos de sua fase black metal e, o pouco que ouvi de sua fase mais recente, não me chamou atenção. Colocando tudo isso de lado, estou diante de seu novo trabalho. “The Shit Ov God” é um álbum que, já em seu título, escancara uma postura deliberadamente provocativa — uma espécie de sátira que flerta com o grotesco, com o herético e com o caricato. Aliás, algo tão utilizado pela banda ultimamente que a fez ser mais conhecida por suas provocações pueris que por sua sonoridade. No entanto, por trás da capa impactante e do tom blasfemo, o que encontramos é uma obra que, se não reinventa a roda, ao menos tenta reorganizar os fragmentos da identidade recente da BEHEMOTH num formato mais direto, menos pretensioso e talvez, por isso mesmo, mais eficaz. 

Com apenas oito faixas e um tempo total inferior a 40 minutos, o disco soa como uma tentativa de condensar a essência da BEHEMOTH contemporânea, sem os excessos que marcaram seus lançamentos anteriores (sim, para conseguir escrever um texto mais coerente, passei diversos dias revisitando a discografia – até então inédita para mim – dos poloneses). Essa concisão, aliás, talvez seja o maior acerto da banda nesta nova empreitada. Ao abandonar as longas viagens conceituais e estruturas infladas, o grupo entrega um álbum que, mesmo com suas falhas, tem fluidez, peso e propósito. 

A abertura com “The Shadow Elite” impõe de imediato uma atmosfera marcial e apocalíptica. As letras invocam uma força invisível que, sob a metáfora do arqueiro divino, se lança como uma praga sobre a Terra Santa. “We are ruin, we are locusts”, entoa Nergal, num retrato quase bíblico dos agentes da destruição. Musicalmente, a faixa trabalha bem com variações de intensidade, alternando momentos de tensão com investidas de riffs cortantes. Inferno continua sendo um dos bateristas mais precisos do metal extremo, e seu trabalho aqui carrega a faixa com firmeza. Há aqui ecos dos tempos de “Evangelion” (2009), mas com uma produção ainda mais polida e um toque de teatralidade que se tornou marca registrada da banda na última década. 

“Sowing Salt” vem em seguida com uma proposta mais direta, abrindo espaço para passagens levemente grooveadas, que se alternam com explosões de velocidade. Há uma tensão constante entre os momentos mais arrastados e os ataques furiosos, o que confere dinâmica à faixa. É uma das composições mais bem construídas do disco, mesmo sem apresentar nada realmente novo. “We, the salt ov scorching earth / Not ov the morality ov the slaves”. A simbologia é clara: não há redenção possível, apenas o avanço brutal de um exército que rejeita toda forma de submissão — seja a de um deus, de um rei ou da moral cristã. 

Chegamos então à polêmica faixa-título, “The Shit Ov God”. Ao ouvir a música, fica claro que a provocação está no centro da proposta, com versos que mais parecem paródias adolescentes de hinos blasfemos. Nergal brada, “Eat my flesh, drink my blood, I am the shit ov god”, estabelecendo uma inversão grotesca da simbologia cristã. A letra é construída sobre um jogo de acrônimos, beirando o infantil, que tenta soar irreverente, mas por vezes escorrega no absurdo. No entanto, musicalmente, há algo cativante na estrutura da música: os riffs são pesados, os vocais são bem encaixados e a produção garante um impacto dramático. Apesar do conteúdo lírico duvidoso, a faixa possui um refrão pegajoso e deve funcionar bem ao vivo. Desde seu lançamento, esta música divide opiniões, mas dentro do contexto do disco, ela até funciona como um ponto de inflexão irônico — uma espécie de autorreferência zombeteira. 

“Lvciferaeon” adota uma abordagem mais melódica, com linhas vocais que exploram uma cadência mais dramática e até teatral. A produção aqui ganha destaque, com camadas de backing vocals e guitarras harmonizadas que conferem uma grandiosidade discreta à faixa. A composição gira em torno da afirmação de divindade interior, em contraste à idolatria tradicional. “If I am God, everyone is. If I am not, none exists.” Essa declaração ambígua, quase filosófica, aponta para um niilismo que transcende o mero anticristianismo. O instrumental é envolvente, com passagens melódicas bem dosadas e uma harmonia vocal que evoca uma missa negra. A canção traz uma elegância soturna que lembra os tempos de “The Satanist” (2014), com arranjos refinados e impacto emocional. 

“To Drown The Svn In Wine” surge como um dos momentos mais poéticos — ainda que perversos — do disco. Inspirando-se na figura do “capitão” que guia seu navio rumo à escuridão, a letra utiliza imagens mitológicas e astrais para construir uma ode à destruição voluptuosa. “Oh, mighty night / I’m wed to you in lust / In Plutonian victory.” A música é conduzida por um riff hipnótico, e a performance de Nergal aqui parece mais contida, mais introspectiva. É uma faixa que se destaca pelo equilíbrio entre peso e lirismo, e reforça a capacidade da banda de criar atmosferas ricas mesmo com poucos elementos. 

“Nomen Barbarvm” é, talvez, o ponto mais sombrio e hermético do disco. Abrindo com a repetição ritualística da palavra “Abrakadabra” em hebraico, a faixa mergulha em imagens oníricas e dolorosas. “The horrors torture and I am them / Eyes that judge and stare.” A atmosfera é lenta, sufocante, com camadas de guitarras e sintetizadores que criam uma sensação de delírio febril. A letra mistura questionamentos existenciais com símbolos do ocultismo e da cabala, e a execução instrumental acompanha essa densidade com variações que oscilam entre o épico e o insano. Um destaque lírico e composicional do álbum. 

Na penúltima faixa, “O Venvs, Come!”, a invocação muda de tom: a figura de Vênus — ou Lúcifer em sua faceta luminosa — é chamada não como entidade destrutiva, mas como força transformadora e guia espiritual. “Take mine eyes and let me see / Take my hand and ad plus ultra-lead.” A música começa introspectiva, com camadas etéreas, mas aos poucos cresce até atingir uma estrutura mais robusta e teatral. O uso da expressão aramaica “Mene Mene Tekel Upharsin” — associada ao julgamento divino — confere à canção um peso místico que transcende o lugar-comum do black metal. É um dos momentos mais bem trabalhados do álbum, tanto na letra quanto na composição. 

O encerramento vem com “Avgvr (The Dread Vvltvre)”, que faz jus ao título com um instrumental sombrio, cadenciado e atmosférico. A letra evoca o presságio do fim, com imagens de um profeta silencioso que espreita entre os homens. “For I am the last living god / Herald ov godless rebirth.” O tom é quase apocalíptico, com guitarras arrastadas e vocais que alternam entre sussurros e gritos guturais. A canção encerra o álbum com grandiosidade e densidade, mantendo a linha temática de destruição e renascimento presente em todo o disco.

 

 

VEREDITO

“The Shit Ov God” é um disco de contrastes. Por um lado, reafirma os vícios da BEHEMOTH moderna: a obsessão por teatralidade, o uso exagerado de fórmulas visuais e sonoras, e uma tendência à provocação fácil — às vezes tola — como substituta da profundidade. Por outro, apresenta uma banda mais enxuta, mais objetiva, que parece ciente de seus próprios limites e que, justamente por isso, entrega um trabalho coeso, compacto e, em certos momentos, surpreendentemente inspirado. 

Ainda que a ausência de letristas como Krzysztof Azarewicz seja sentida nas composições, o álbum compensa com um instrumental eficiente, uma produção poderosa e momentos líricos que, embora irregulares, mostram lampejos de uma inquietação criativa que ainda pulsa sob a superfície. 

Se “Evangelion” e “The Satanist” foram marcos para a banda, “The Shit Ov God” é o eco tardio desses tempos, um grito ainda potente, mas já ofuscado por seus próprios exageros. Ainda assim, é um disco que vale a aquisição — nem que seja para lembrar que, mesmo em meio à autocaricatura, ainda é possível extrair arte do caos.

  

7.0/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. The Shadow Elite

2. Sowing Salt

3. The Shit ov God

4. Lvciferaeon

5. To Drown the Svn in Wine

6. Nomen Barbarvm

7. O Venvs, Come!

8. Avgvr (The Dread Vvltvre)

 

 

 

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