PRIMEIRAS IMPRESSÕES: ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ - NEKYIA - The Necromantic Patterns (2025 - Black Metal Store)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 04/06/2025 21:12 • Atualizado 04/06/2025 21:15
Resenhas

ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ - NEKYIA - The Necromantic Patterns

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PRIMEIRAS IMPRESSÕES

O décimo álbum da banda grega ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ, "NEKYIA - The Necromantic Patterns", lançado em 30 de abril de 2025 pelos selos Zazen Sounds e III Damnation, é mais que uma obra musical: é uma invocação ritualística em forma de som. Enraizado em décadas de prática ocultista, o disco encarna uma jornada iniciática pelos corredores sombrios da espiritualidade hermética, do vampirismo astral, da magia luciferiana e da sabedoria ancestral draconiana. Ao longo de sete faixas profundamente conectadas, a ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ nos guia por uma odisséia de morte e renascimento, onde cada nota soa como um encantamento e cada verso como uma chave para portais esquecidos.

A abertura com "The Eleventh Inversion - Oracles of the Abyss" é mais do que um prelúdio: é a ruptura do véu entre os mundos. Inicia-se com uma ambiência quase litúrgica, onde vozes sussurradas e atmosferas etéreas evocam a figura do hierofante, do iniciado diante da revelação proibida. Logo, os riffs irrompem com fúria ritualística, mesclando melodia cortante com dissonância opressiva. A letra alude à inversão dos arquétipos, à dança entre Eros e Thanatos como via de acesso ao Reino das Sombras. Há aqui uma convergência entre loucura sagrada e êxtase erótico, ressoando como uma missa negra oficiada sob as estrelas mortas.

Não precisamos de muito tempo para perceber que “NEKYIA – The Necromantic Patterns” foi concebido em cima de requintada estrutura que exalta a exímia técnica dos integrantes da ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ. A banda não apenas impressiona, mas serve como canal para a manifestação de forças que ultrapassam o domínio do visível. As guitarras de V.P. Adept e D. Yama Ram (OUTLAW) entrelaçam-se em espirais ora cortantes, ora líricas, desenhando paisagens sonoras que oscilam entre o caos transcendental e a ordem esotérica. A bateria de Atum, dinâmica e incisiva, dita o compasso de uma marcha litúrgica que conduz o ouvinte por trilhas que remetem tanto à guerra espiritual quanto à contemplação mística, enquanto o baixo de Aetherist (NIEDERGANG) pulsa com densidade abissal, sustentando cada movimento como se fosse o próprio sangue do rito obscuro.

Mas é nas incursões de teclado — cuidadosamente integradas por V.P. Adept — que a obra atinge momentos de verdadeira elevação. Esses elementos não apenas ambientam, mas invocam: são véus, névoas, portais. Suas vocalizações — que atravessam grunhidos cavernosos, sussurros invocatórios e narrativas oraculares — são uma verdadeira performance teúrgica, adaptando-se a cada atmosfera como um sacerdote que muda a voz conforme o espírito que se manifesta.

A transição para "Serpent's Oath - Hymns of the Coiled Void" (música já divulgada como single) acentua o caráter transcendental da jornada. A serpente, símbolo ancestral do conhecimento oculto, guia a narrativa através de riffs cíclicos e hipnóticos. A influência do hard rock setentista aflora discretamente nos arranjos, evocando uma sonoridade ritualística que remete a cultos antigos. As letras são um pacto selado com as forças abissais, com imagens de sangue e oferenda que compõem um cenário litúrgico carregado de simbolismo. O ouvinte é conduzido a um êxtase meditativo onde os véus do tempo são rasgados por hinos de retorno e ascensão.

"Venomous Ascension - The Nexus of the Void" é um dos momentos mais dramáticos do álbum. Introduzida por percussões tribais e vocais femininos que soam como invocações (mais uma vez a banda trabalha com a talentosíssima vocalista Darja Kazimira que – assim como no álbum anterior – “Malocchio - The Seven Tongues of Δαημων”, faz um trabalho memorável), a faixa ganha forma como uma tempestade ritual. A presença do feminino sagrado, incorporado na figura da Deusa Sedenta, traz à tona o erotismo sagrado como caminho iniciático. A letra invoca a sabedoria do "Gnothi Seauton" grego, mas reinterpretado através de lentes mágicas. Aqui, a ascensão não é gloriosa, mas venenosa, um rito de passagem onde luz e trevas se entrelaçam em um êxtase devastador.

Em "The Chalice of Fiery Transmutation" (o segundo single lançado para este trabalho), a banda mergulha ainda mais fundo na alquimia espiritual. Os vocais narrativos assumem contornos oraculares, enquanto a instrumentação alterna entre caos e contemplação. O cálice, símbolo central, é aqui a metáfora da dissolução do ego. Cada verso é uma libação que rompe os limites da realidade consensual. Há uma beleza abrasiva na composição, com solos que ecoam como relâmpagos em meio ao negrume e atmosferas que lembram o transbordamento místico de ritos antigos.

"The Crimson Litany of Eternal Return" talvez seja o ponto mais ousado da obra, não apenas por incorporar elementos inesperados como o saxofone, mas pela forma como harmoniza destruição e renascimento. O retorno eterno é retratado não como uma promessa, mas como um fardo sagrado. A música, intensa e melancólica, embala uma liturgia de sangue e fogo. O saxofone não soa como mero experimento: ele encarna a irrupção do inesperado, do indizível que escapa aos cânones do black metal. A letra, uma ode à deusa carmesim, é poesia apocalíptica que rasga o tecido da criação.

Em "The Elder Keybearer’s Awakening", a banda atinge o clímax ritualístico. A música cresce como uma serpente alada que se contorce entre planos de existência. Os solos melódicos são preenchidos por um senso de urgência quase profética. A letra invoca o Despertar do Guardião Ancestral como símbolo do domínio imortal e da dissolução das percepções efêmeras. O ouvinte é confrontado com visões de carne rasgada por predadores celestiais e a ruína de uma época marcada pela ignorância espiritual. Tudo culmina numa epifania onde o conhecimento oculto se revela como espada e bálsamo.

A jornada termina com "Truth Is a Pathless Land", uma composição que destoa e se encaixa ao mesmo tempo. Com quase oito minutos, é uma marcha ritual de despedida. Aqui, os vocais ecoam como ecos de um sermão pós-apocalíptico. As estruturas harmônicas, ao mesmo tempo dissonantes e hipnóticas, simbolizam o caos primordial de onde emerge a verdadeira sabedoria. A letra recusa os dogmas e trilhas seguras, propondo que a verdade espiritual não pode ser ensinada ou seguida, mas apenas vivenciada em solidão e coragem.Produzido com primor por George Emmanuel no Pentagram Studio, o álbum possui uma sonoridade cristalina e densa, que respeita as camadas simbólicas de cada faixa. O trabalho colaborativo entre V.P. Adept, e os novatos D. Yama Ram, Atum e Aetherist não apenas expande a visão da banda, mas também reforça a ideia de que a ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ não é um projeto musical no sentido tradicional, mas uma ordem espiritual expressa por meio da arte.

A arte de capa de "NEKYIA - The Necromantic Patterns" é uma adaptação da pintura "Paolo Malatesta et Francesca da Rimini aux Enfers" (1883), do pintor francês Henri Martin. A obra retrata a trágica história de amor de Paolo e Francesca, personagens do Canto V do Inferno de Dante Alighieri, condenados ao segundo círculo do Inferno por seu amor adúltero.

A escolha dessa imagem não é meramente estética; ela ressoa com os temas centrais do álbum, como a transgressão, o desejo proibido e a jornada espiritual através do sofrimento e da paixão. A representação dos amantes em tormento eterno serve como uma metáfora visual para as explorações líricas e sonoras do álbum, que mergulham em conceitos de necromancia, transformação espiritual e as profundezas do subconsciente humano.

Além da arte de capa, o design gráfico do álbum foi realizado pela Vision Black Designs, que incorporou elementos adicionais para reforçar a atmosfera ritualística e oculta da obra. O encarte também apresenta a pintura "Dante in the Sixth Circle of Hell" (1900), de Silvio Bicci e Paolo Pasquini, ampliando ainda mais a conexão com a literaruta e os temas infernais.

 

VEREDITO

"NEKYIA - The Necromantic Patterns" não é feito para audições desatentas. Cada faixa exige entrega e reflexão. Trata-se de um álbum que ultrapassa os limites do black metal ortodoxo e oferece uma experiência de transmutação espiritual e estética.

Um testemunho do poder da música enquanto veículo de revelação.

Este não é um disco para entreter: é um grimório sonoro que clama por ouvintes preparados para enfrentar o abismo e retornar transformados.

A grega ΑΧΕΡΟΝΤΑΣ prova mais uma vez ser um dos pilares mais imponentes do ocultismo musical contemporâneo, e "NEKYIA" é, possivelmente, sua obra mais madura, ousada e luminosa na escuridão que abraça.

 

10/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. The Eleventh Inversion - Oracles of the Abyss

2. Serpent’s Oath - Hymns of the Coiled Void

3. Venomous Ascension - The Nexus of the Void

4. The Chalice of Fiery Transmutation

5. The Crimson Litany of Eternal Return

6. The Elder Keybearer’s Awakening

7. Truth Is a Pathless Land

 

 

 

 

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