PRIMEIRAS IMPRESSÕES: NIGHTFALL - Children of Eve (2025 - Season of Mist)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 21/05/2025 12:13
Resenhas

NIGHTFALL - Children of Eve

(Season of Mist)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Desde o início da década de 1990, a NIGHTFALL tem sido um nome fundamental, embora por vezes subestimado, da cena do metal extremo grego. Com uma sonoridade que sempre oscilou entre o death melódico, o black metal atmosférico e o gothic metal, a banda liderada por Efthimis Karadimas tem mostrado ao longo dos anos uma inquieta capacidade de reinvenção. “Children of Eve”, seu décimo primeiro álbum de estúdio, lançado pela “Season of Mist”, é mais um capítulo desse percurso sinuoso e provocativo, revelando tanto a maturidade técnica quanto a ousadia conceitual do grupo. 

Com uma duração enxuta de 41 minutos distribuídos em dez faixas, o disco mergulha em uma atmosfera sombria e emocionalmente carregada, estabelecendo um eixo temático centrado na dor, revolta, opressão espiritual e a resistência à moralidade imposta. O título, “Children of Eve”, alude às heranças mitológicas e religiosas que pesam sobre a existência humana, abordadas aqui sob a lente da miséria psicológica e do confronto interior. 

A jornada de Children of Eve começa com a avassaladora “I Hate”, uma faixa que não apenas inaugura o álbum, mas que já apresenta de forma contundente a paleta estética e conceitual que será explorada ao longo das dez canções. A estrutura é densa e ritualística, com guitarras que oscilam entre riffs cortantes e harmonias melódicas sombrias. Há aqui um equilíbrio meticuloso entre brutalidade e teatralidade: Efthimis Karadimas entrega sua interpretação mais performática, alternando vocais guturais impetuosos com recitações carregadas de fervor, enquanto as vozes femininas — que surgem como assombrações etéreas — reforçam a ambiência gótica da faixa. A letra é uma verdadeira declaração de insurreição contra a fé institucionalizada, em que imagens de Saturno, deidades do juízo final e paisagens apocalípticas constroem um manifesto poético e blasfemo. O refrão, envolvente e simbólico, transforma a fúria em mantra, e deixa clara a intenção da banda de lidar com as sombras internas e externas com sangue nos olhos. 

Na sequência, “The Cannibal” sobe ainda mais o tom da violência sonora, mas o faz com elegância. Há uma aproximação com a estética do death metal moderno, em especial o praticado por bandas como as polonesas BEHEMOTH e HATE, mas a banda consegue subverter esse referencial com a inserção de harmonias gregas discretas, quase imperceptíveis, que dão personalidade à faixa. A construção lírica é perturbadora e metafísica: o eu lírico se coloca como uma entidade que devora pensamentos, vontades e destinos — o “Canibal” aqui é tanto um símbolo de manipulação dogmática quanto de dominação espiritual. Os versos “The life you lead / You think it’s yours / Your life I lead” sintetizam essa inversão de controle. Destaque para o refrão, onde o contraste entre a melodia e a agressividade do vocal cria uma tensão dramática envolvente, tornando-a uma das músicas mais memoráveis do álbum. 

“Lurking” traz uma mudança de clima sem perder o peso emocional. Com uma base que remete ao black’n’roll, a faixa aposta em grooves densos e uma cadência pulsante, que dialoga com uma aura quase lasciva. A lírica, por sua vez, mergulha em temas de luxúria, devoção e hedonismo como formas de transcendência. A personagem lírica se assume como criatura noturna, sedenta pela carne e pela ruptura de limites morais, evocando imagens demoníacas e serpentes dançando na sombra da própria psique. A execução instrumental de Vasiliki Biza no baixo e Fotis Benardo na bateria é de uma expressividade admirável: o trabalho rítmico dá à canção um balanço ritualístico e hipnótico, quase como um convite à subversão. 

A introspectiva “Inside My Head” é uma das faixas mais emocionalmente devastadoras do disco. Aqui, a banda desacelera para construir um cenário mental claustrofóbico e doloroso, onde as camadas melódicas servem como véus para sentimentos de culpa, depressão e exclusão. A letra, por vezes surrealista, retrata um eu fragmentado que tenta manter acesa a centelha de sua individualidade em meio à exigência constante de apagar-se diante das convenções sociais e espirituais. As frases “And now I am asked / To freeze the sun” soam como súplicas desesperadas de alguém que se recusa a matar o que há de vivo dentro de si. A interpretação vocal de Karadimas é dolorosa, profunda e perfeitamente alinhada à atmosfera musical, criando um dos momentos mais comoventes de “Children of Eve”. 

“Seeking Revenge” devolve o disco ao terreno da agressividade e fúria catártica. A estrutura da faixa é mais direta, com andamento rápido e explosivo, sustentado pela bateria incansável de Benardo. A letra é um grito de revolta contra a imposição de crenças dogmáticas e o uso da fé como arma de controle. O protagonista lírico aqui é um agente do caos, um símbolo da vingança como expressão de justiça — o “fogo nos olhos” é tanto literal quanto metafórico. Os versos finais, que falam da invasão de terras sagradas e da destruição de muros ideológicos, evocam imagens apocalípticas que refletem o espírito confrontador do álbum. 

“For the Expelled Ones” representa um dos pontos altos do disco em termos de complexidade lírica e musical. A canção alterna momentos de violência sonora com trechos melódicos quase litúrgicos, criando uma dinâmica emocional tensa e imprevisível. O tema gira em torno dos “expulsos” — aqueles que foram rejeitados pela fé, pela sociedade ou pela história — e busca dar voz a essas almas errantes. Os versos “Empty mouths / Free from saying” são emblemáticos da crítica ao silenciamento e à negação da existência do outro. O arranjo do refrão, grandioso e repleto de dissonâncias melódicas, reforça o sentimento de resistência espiritual. A canção funciona quase como um hino àqueles que, mesmo amaldiçoados, continuam de pé. 

A breve, mas potente “The Traders of Anathema” se apresenta como um ataque frontal à hipocrisia religiosa e à lógica mercantil da fé. Com uma estrutura thrash/death direta, sem rodeios, a música convoca Judas Iscariotes como símbolo da traição que se perpetua nas instituições religiosas modernas. O eu lírico se apropria da figura do traidor para questionar: “Sou eu o monstro ou a estrutura que me formou?”. Musicalmente, é uma das faixas mais agressivas do álbum, funcionando quase como uma descarga de adrenalina em meio às demais composições mais densas. 

Com “With Outlandish Desire to Disobey”, a banda explora uma vertente mais atmosférica e experimental. Os teclados discretos, os vocais femininos sussurrados e os elementos de darkwave se misturam com a base tradicional do blackened death metal, resultando em um híbrido estilístico intrigante. A letra é um tributo à desobediência como afirmação existencial. O eu lírico se coloca como agente do caos, alguém que planta seu coração no submundo para tornar-se árvore que sustenta almas penduradas. É uma imagem poética e aterradora, que casa perfeitamente com o instrumental sinuoso da faixa. 

“The Makhaira of the Deceiver” é marcada por uma atmosfera sufocante, onde os riffs abafados e a bateria cadenciada criam um clima opressivo e ritual. A “makhaira”, uma espada de dois gumes, simboliza aqui a ruptura com a fé mutiladora. A letra homenageia figuras femininas que foram marginalizadas pela religiosidade patriarcal, e propõe a dor como ato de resistência. É uma faixa que pulsa com raiva e compaixão, unindo violência e beleza num mesmo gesto musical. 

Encerrando o álbum, “Christian Svengali” funciona como epílogo lírico e sonoro. Com uma estrutura épica e arranjos densos, a faixa revisita todos os elementos já apresentados — do gothic ao doom, do blackened death ao drama teatral. A figura de Svengali representa o manipulador espiritual, o destruidor da fé interior, e a letra trabalha a ideia de rendição diante do vazio. Há uma melancolia digna de epitáfio, e a performance vocal final de Karadimas — entoando “None but my sorrow stands by me” — ecoa como uma confissão derradeira, uma súplica no limiar da redenção ou da ruína. 

Produzido no Devasoundz Studios, em Atenas, com mixagem e masterização de Jacob Hansen, o álbum possui uma sonoridade clara, pesada e minuciosamente equilibrada. A arte da capa, assinada por Eliran Kantor, dialoga visualmente com os temas do disco, evocando dor, beleza sombria e transcendência em um acolhimento silencioso à nossa própria escuridão. Uma verdadeira obra-prima!  

 

VEREDITO

“Children of Eve” é um álbum que exige envolvimento e escuta atenta. Embora nem todas as faixas tenham o mesmo impacto, há uma coesão temática e estética que sustenta a audição como uma experiência ritualística.

A veterana NIGHTFALL reafirma aqui sua capacidade de transitar entre gêneros, sentimentos e atmosferas com identidade e coragem. Não é um álbum para agradar de imediato, mas para ser descoberto em camadas, como um grimório musical repleto de angústia, resistência e beleza obscura.

Sortudos aqueles que colocam a banda no panteão em que fazem parte os grandes do cenário helênico. 

 

9.1/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. I Hate

2. The Cannibal

3. Lurking

4. Inside My Head

5. Seeking Revenge

6. For the Expelled Ones

7. The Traders of Anathema

8. With Outlandish Desire to Disobey

9. The Makhaira of the Deceiver

10. Christian Svengali

 

 

 

 

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