PRIMEIRAS IMPRESSÕES: GHOST - Skeletá
Por Daniel Aghehost
Publicado em 30/04/2025 20:45 • Atualizado 30/04/2025 20:45
Resenhas

GHOST - Skeletá

(Loma Vista Recordings)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Desde que Tobias Forge e seus espectros mascarados surgiram das sombras com o debut “Opus Eponymous” (2010), o GHOST vem sendo uma entidade em constante mutação — ora flertando com o rock ocultista dos anos 70, ora mergulhando de cabeça no pop oitentista, mas sempre carregando sua identidade teatral e blasfema. Com “Skeletá”, seu sexto álbum de estúdio, a banda parece enfim ter encontrado o ponto exato entre sátira, reverência e confissão emocional. É como se Papa Nihil, Papa Emeritus e todos os seus arquétipos anteriores tivessem sido fundidos em uma nova persona: Papa V Perpetua, um avatar tão sombrio quanto autoconsciente.

Ao contrário dos registros conceituais anteriores — que orbitavam temas grandiosos como a peste negra (Prequelle - 2018) ou a queda de impérios (Impera - 2022) — “Skeletá” é, paradoxalmente, o disco mais pessoal e emocionalmente cru da carreira da banda. Forge não abandona a teatralidade — longe disso — mas reorienta o foco lírico para dentro, abordando ansiedade, perda, redenção e autossabotagem através de metáforas religiosas, símbolos apocalípticos e melodias que variam do hard rock ao synth pop. Se antes a GHOST representava o culto satânico que zombava da fé cristã, agora parece se tornar o espelho de uma espiritualidade desencantada, habitada por dúvidas e demônios internos.

O álbum abre com a grandiosa “Peacefield”, faixa de quase seis minutos que estabelece o tom emocional e lírico da obra. A canção alterna versos suaves e melancólicos com refrões de arena rock à la JOURNEY. A letra, que clama por amor em meio aos escombros de uma civilização arruinada, se apoia em imagens de crianças, campos de paz sob luas negras e ecos de esperança. Musicalmente, ela sintetiza o coração de “Skeletá”: riffs acessíveis, sintetizadores envolventes e coros massivos, que soam tanto como súplica quanto como celebração. É a primeira evidência de que a GHOST de 2025 está mais preocupado em emocionar do que apenas chocar.

Na sequência, “Lachryma” mistura as guitarras densas do METALLICA (principalmente da fase do “Black Album”) com um refrão que poderia ter saído de uma faixa esquecida do BON JOVI. O tema lírico é a ruptura de um amor tóxico, descrito em imagens vampirescas e apodrecidas — “agora que o doce virou azedo”, canta Forge com ressentimento contido. O solo melódico é um dos mais belos do disco, equilibrando peso e sentimento com habilidade.

“Satanized”, por sua vez, é talvez o ponto mais autoirônico do álbum. Com letra que narra uma suposta possessão demoníaca como metáfora para o desejo reprimido, a faixa funde o ridículo ao trágico. Forge canta versos em latim intercalados com refrões pegajosos e dançantes, onde implora por libertação espiritual de seus próprios impulsos. O uso da palavra “satanized” é propositalmente absurdo — uma zombaria da retórica religiosa, mas também um grito de desespero vindo de dentro. Musicalmente, é uma das mais pop do disco, com ritmo fluído e vocais em camadas.

“Guiding Lights” é uma balada épica, com atmosfera quase operística, que reforça o tom introspectivo do álbum. Aqui, Forge reflete sobre escolhas, arrependimentos e o medo de se perder em caminhos sem volta. As guitarras suaves e o refrão crescente criam uma sensação de transcendência e resignação. A frase “a estrada que leva ao nada é longa” aparece como uma espécie de mantra niilista, um lembrete da fragilidade das certezas.

A quinta faixa, “De Profundis Borealis”, traz de volta um pouco do peso clássico da banda, com riffs encorpados e um ritmo de marcha quase ritualística. A letra utiliza imagens geladas — palácios de lágrimas congeladas, ventos cortantes — para retratar o isolamento emocional e a dificuldade de se libertar do passado. É uma faixa que remete à atmosfera de “Meliora” (2015), mas com produção ainda mais grandiosa.

Em “Cenotaph”, a GHOST ousa mais. O início com levada Sabbathiana engana: logo a faixa se transforma em um pop alternativo melódico e vibrante, com refrão cativante e solo de sintetizador que parece ter saído de uma faixa de rock progressivo dos anos 80. A canção fala de memórias que assombram, de ausências que se tornam presenças permanentes — "onde quer que eu vá, você está sempre ao meu lado", repete Forge. É pop, é estranho, é emocional. E funciona.

“Missilia Amori” é uma explosão de sensualidade kitsch. Com uma pegada glam metal carregada de insinuações sexuais e metáforas militares (“meus mísseis estão apontados para o seu coração”), a faixa remete à teatralidade de “Dance Macabre”, mas com uma camada de agressividade maior. É divertida, embora talvez soe vazia ao lado de canções mais densas do disco.

Já “Marks of the Evil One” retorna à simbologia apocalíptica, evocando os quatro cavaleiros do Apocalipse como representantes da decadência humana. A música carrega peso e urgência, com versos cuspidos como preces blasfemas e um refrão que repete com insistência o “There! There!”, como se indicasse a inevitabilidade da ruína. A produção aqui brilha, com camadas de teclados e guitarras criando uma sensação de colapso iminente.

“Umbra”, a penúltima faixa, é talvez a mais próxima do GHOST “metálico” dos primeiros álbuns. Com riffs cortantes, cowbell, refrão grandioso e uma letra que mistura sacralidade e erotismo, a música brinca com a ideia da redenção por meio da sombra. Há referências ao nazareno e aos “altares com velas negras”, mas tudo isso parece ser pano de fundo para um discurso mais humano — sobre aceitação das falhas e do lado escuro do amor.

Por fim, “Excelsis” encerra o álbum como uma prece emocional. É uma balada dilacerante que fala sobre perdas, despedidas e transcendência. “Todos vão embora um dia”, canta Forge, antes de convidar o ouvinte para acompanhá-lo até “a beira do arco-íris”. É uma despedida solene, épica, quase fúnebre, mas que deixa espaço para a esperança. A progressão final, com coros ascendentes e a repetição da palavra “excel”, parece apontar para uma elevação espiritual — ou ao menos emocional — após o caos.

 

 

VEREDITO

“Skeletá” é, sem dúvida, o álbum mais maduro e coeso da GHOST. É também o mais ousado em termos de composição e produção. A banda não renega suas raízes, mas tampouco se prende a elas. Ao invés disso, Forge e os Nameless Ghouls constroem uma obra que atravessa o metal, o pop, o rock de arena e o synthwave com naturalidade e, mais importante, com emoção.

A produção é impecável, os arranjos vocais são riquíssimos, e o equilíbrio entre grandiosidade e vulnerabilidade é o verdadeiro triunfo do disco.

Se há uma crítica possível, talvez seja a falta de unidade conceitual clara, uma marca registrada em trabalhos anteriores. Em “Skeletá”, cada faixa parece seguir seu próprio caminho — algumas para o íntimo, outras para o palco.

No entanto, essa aparente fragmentação pode ser lida não como fraqueza, mas como reflexo da própria proposta do álbum: explorar a multiplicidade de sentimentos humanos sem máscaras, sem dogmas. Forge não quer mais apenas zombar da fé — ele quer compreender o vazio que ela deixou.

No fim das contas, “Skeletá” não é apenas mais um capítulo na saga da GHOST. É um ponto de inflexão. Uma obra que encara o espelho e encontra ali um reflexo mais humano, mais imperfeito — e, por isso mesmo, mais real. A GHOST não é mais apenas a banda que invocava Satã com ironia e melodias grudentas.

É agora um projeto que encontrou na própria fragilidade sua nova forma de força.

E isso é, em si, uma espécie de redenção

 

 

9.5/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. Peacefield

2. Lachryma

3. Satanized

4. Guiding Lights

5. De Profundis Borealis

6. Cenotaph

7. Missilia Amori

8. Marks of the Evil One

9. Umbra

10. Excelsis

 

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